Lagoa do Pires, 22 de junho de 2024
Há um conto lindo do Machado de Assis, chamado “Idéias de um Canário” em que podemos avistar um local de compra e venda de objetos velhos, sujos, escuro e amontoados de coisas. Ao sair dessa loja o eu lírico avista uma gaiola com um canário que em conversa lhe diz que não está ali porque foi vendido por algum descuidado ou porque o dono da loja é o seu tutor, ao contrário o diz:
— Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida diariamente, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Na verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo.
Ainda nessa conversa inicial e indagado se o canário sentia saudades do céu azul e infinito, o mesmo questionou o que seria esse “azul e infinito” há que se referia o homem, já que tudo que havia conhecido do mundo era a gaiola a qual estava preso anteriormente e obteve a seguinte resposta:
— O mundo, redarguiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilongo, pendente de um prego, o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira.
Impressionado com a resposta e com a capacidade de falar do animal, o personagem principal compra-o e leva para sua casa a fim de estudar o máximo possível sua gramática e sua visão de mundo, seu objetivo era apresentar ao mundo a obra-prima de sua natureza. Três semanas após a presença do avistoso animal em sua casa, solicitou que repetisse a sua definição de mundo, ao qual ouviu:
— O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira.
Passado algum tempo e após dias e dias de conversa e estudo, amanheceu doente o professor e por acaso do destino ou seria destino do acaso, um criado acaba por deixar o canário fugir da gaiola, após muita procura e gritaria pelo nome do canário, um belo dia em um passeio após jantar na casa de um amigo o nosso eu lírico deu por encontrar com o canário, falou-lhe com ternura, solicitou que voltasse e continuasse a conversação, a pesquisa-ação há que ambos se dedicavam, naquele mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circula… retorquiu então o canário:
— Que jardim? Que repuxo?
— O mundo, meu querido, respondeu-o.
— Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima.
A amizade
Nem mesmo a força do tempo irá destruir
Somos verdade
Nem mesmo este samba de amor pode nos resumir
Fundo de Quintal, A Amizade
Muito samba, risada e confabulações comunistas kkk
Agora tomo por liberdade inserir “Fora isso, é tudo mentira e ilusão”, foram necessárias semanas para essa reflexão amadurecer suficientemente, a ponte de vir ao mundo em forma de palavras, reencontrá-las depois de tantos anos é como expandir novamente o meu mundo, ao mesmo tempo que retorno a um mundo de outrora a que sinto saudades, reencontrá-las mesmo diante do turbilhão dos momentos passados é ter a leveza de que ser amado ainda é a coisa mais importante do mundo, independente de títulos, de valores nas contas bancárias ou de nomes sociais importantes.
Que delícia foi viver os poucos dias de reencontro com vocês, que na minha memória se expandiram para lembranças eternas de saudades e sons borbulhantes de alegria, de riso alto, de reflexões filosóficas acerca do valor material do trabalho no capitalismo ou porque o sul global é muito mais relevante para a história da espécie que o norte global, assim como é a partir dele e de seus povos ancestrais que salvaremos o ser humano da extinção total…
Foi preciso encontrar algo mais firme, mais duradouro que simples palavras para metaforizar tudo que vocês representam para mim e o que foram os dias de contato e de saudade que vivenciamos. Obrigado por dividirem comigo esse momento histórico e fazerem dele algo único na minha experiência, obrigado por serem mulheres tão fortes, tão inspiradoras e tão relevantes para o mundo e para a educação brasileira, eu amo muito vocês e não vejo a hora de expandirmos novamente a nossa concepção de mundo juntos porque fora disso tudo é ilusão e mentira.